Guerra fiscal entre os Estados levou a uma perda média de 10% da arrecadação

Necessidade da reforma tributária no país foi o assunto da Live do Tempo desta segunda-feira (14), que recebeu o advogado Flávio Bernardes.

Nos últimos 15 anos, a guerra fiscal entre os Estados para atrair investimentos e empresas fez a arrecadação do ICMS, o principal imposto dos governos locais, ter uma queda média de 10%. É o que contou o diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário e também professor da PUC Minas e UFMG, advogado Flávio Bernardes, na Live do Tempo desta segunda-feira (140. O especialista falou sobre a necessidade da reforma tributária no país e os projetos que estão em discussão na Câmara Federal e no Senado. Confira abaixo a entrevista:

O governo federal retirou a urgência na tramitação da proposta de reforma tributária. Essa atitude pode esvaziar o tema ou ainda há uma salvação?

Isso é uma dúvida que me coloco sempre e eu não sou tão otimista quanto encaminhamento dessa reforma. Estamos em um ano eleitoral, um ano que já é difícil para discussão desse tipo de tema que tem impacto não só da União, mas nos Estados e municípios, onde estamos em eleições. E pelo fato que eu discuto reforma tributária desde 1993, quando foi proposta um debate amplo do texto constitucional. Depois, passamos 1995, do governo Fernando Henrique Cardoso, a proposta de 2002 do Palocci e assim sucessivamente. Vários desses pontos não são novos, são pontos já discutidos e de ciência em relação ao amadurecimento no seu debate. Com a sua evolução tanto na PEC 45, que é a da Câmara, de autoria do deputado Baleia Rossi, como a do Senado, PEC 110 proposta inicialmente pelo senador Luiz Carlos Hauly, e também agora nesse projeto de lei 3887 do governo federal. São interesses difíceis de serem conciliados. A única coisa que ainda me anima neste momento é que há uma proposta de continuidade em relação às reformas como um todo. E, sem dúvida nenhuma para a sociedade e o setor empresarial, é uma reforma muito importante para a evolução econômica que se pretende. Isso ainda é o que motiva a tentar se chegar em um consenso para que o tema possa realmente encaminhar naquilo que é fundamental. Não são tantos pontos em si, mas aquilo que é da essência para simplificar o sistema tributário (está incluso nos projetos). Eu não diria que vá se ter diminuição de carga tributária, não é o propósito, mesmo antes da pandemia, os governos já estavam deficitários de uma forma geral. Agora, com o agravamento da situação das contas públicas, diminuir carga tributária não vai ser o escopo da reforma. Mesmo assim, eu diria que há elementos que terão resultados efetivos, tanto para o cidadão quanto os empresários, nesse intuito de aprimorar o funcionamento econômico. Simplificação, sobretudo dentro da tributação sobre o consumo, e da necessária desoneração da folha de pagamento dentro da competitividade de alguns setores, já que a tributação sobre folha do Brasil é a mais alta do mundo.

Como a reforma pode simplificar a tributação no país?

O ponto fundamental é sobre o que chamamos de tributação do consumo. E quais são os tributos que têm essa base econômica de incidência? Na origem do tributário, que Ffoi incorporado pela Constituição de 1988, é o ICMS, que é dos Estados, o IPI, da União, e o ISS, dos municípios. Hoje se incorpora dentro desse cenário as contribuições do PIS e da Cofins, que são de competência da União e batem recordes de arrecadação nos últimos 20 anos. É importante analisarmos, não simplesmente copiarmos, o que acontece fora do país, o por quê do Brasil ter criado o ICMS, enquanto a Europa toda caminhou sobre um imposto único de valor agregado que é similar às propostas que aqui estamos denominando de imposto sobre bens e serviços. Todo o resto da América Latina adota o imposto de valor agregado, o eixo Ásia e Pacífico já migraram ou estão fazendo esse estudo. Então quanto eu retiro todos esses tributos e incorporo em apenas um, automaticamente estou tendo uma simplificação muito grande no sistema. Na realidade brasileira, essa divisão dos sistemas tributários acabou gerando o que no ICMS, por exemplo, tenha uma legislação tributária em cada estado da federação com regras diferentes e não são uniformes. Isso leva a uma dificuldade operacional ao empresário, que tem que recolher o imposto. Eu diria que é realmente desumano, porque você gasta muito tentando acertar e muitas vezes erra sem ter intencionalidade. A legislação do IPI também é complicada, assim como a do PIS e Cofins também é, tanto que esses tributos provocaram a maior disputa fisco-contribuinte do país. A partir do momento que retira essa questão, não teremos mais 27 legislações estaduais diferentes sobre o assunto, não vou ter mais no ISS mais de 5.800 legislações municipais. Tido o PIS e a Cofins, isso tudo em um só imposto, seguindo uma padronização que já é reconhecida e de sucesso, nunca perfeita, mas já aplicada com todos os problemas gerados há mais de 50 anos. Isso me gera simplificação. E ao mesmo tempo, dentro do fim do sistema brasileiro, eu ainda tenho uma outra vitória que é terminar com guerra fiscal. É uma  guerra fiscal estadual do ICMS, que seria a mais grave delas, porque os estados brigam. Cada um tem a faculdade de definir suas próprias, vão abrindo mão da cobrança sob o pretexto de atrair investimentos. E o que aconteceu é que durante mais de 15 anos dessa guerra fiscal os Estados perderam praticamente 10% da arrecadação do ICMS.

Em Minas Gerais tivemos um êxodo de empresas por conta dessa guerra fiscal?

Minas foi reticente em entrar nessa chamada guerra fiscal. Entrou depois que isso foi uniformizado, agora em 2017, pela lei complementar 160, porque várias guerras fiscais foram considerados inconstitucionais. Mas elas continuavam sendo realizadas sem nenhuma penalização, sobretudo para gestores. As empresas eram penalizadas em apropriar ou não o crédito para pagar o imposto. Se a empresa não se instala aqui, ela vai para outro Estado da federação e o país como um todo vai estar recebendo aquele investimento. Por isso que se você uniformizar a  tributação sobre o ICMS, vai melhorar em termos de arrecadação. E como eu falava, caiu 10 pontos (percentuais da arrecadação do imposto). Iso diminuiu a carga tributária? Não, porque a União ocupou esse espaço com a cobrança das contribuições do PIS e da Cofins que viraram praticamente um ICMS. O cidadão, no final, não tem o benefício da redução da carga tributária com essa guerra fiscal. Você vem no movimento silencioso, a União ocupa, aumenta a carga tributária e faz a concentração econômica da arrecadação na esfera federal e por isso que um dos grandes problemas de não acontecer a reforma é chegar ao consenso comum entre os entes Federados. E os estados e municípios tiveram perdas significativas significativas com essa migração da arrecadação para o governo federal. Então eu simplifico e ainda corrigo um problema de distorção e desigualdade no federalismo brasileiro, que seria importante para a nossa evolução.

Essa unificação das regras de ICMS já seria suficiente para acabar com a guerra fiscal?

Para mim esse é o ponto principal: unificar as alíquotas de ICMS. Mas a PEC 110 do Senado faz essa proposta. Porém, a PEC 45 da Câmara não faz. Então eu não resolvo a simplificação e permaneço com problema da guerra fiscal, o que é um equívoco. E você tem outras distorções que vão precisar ser corrigidas. Todo o país que prega a justiça fiscal, ou seja, quem deve custear mais o estado é quem tem maior capacidade econômica, o tributo sobre o consumo não é o tributo que tem melhor formato para aplicar isso que a gente chama de capacidade contributiva. Não é esse o melhor formado, por isso que nos países mais desenvolvidos o principal imposto de arrecadação é o imposto de renda, que é onde eu consigo individualizar cada a carga tributária de cada cidadão. Na tributação sobre o consumo, não consigo fazer isso. Nós precisamos evoluir para isso, eu não posso ter hoje uma média de encargos sobre o consumo de 50% no preço de uma série de produtos. Quem tem alta capacidade contributiva paga a mesma coisa de quem não tem. Por isso que a alíquota média padrão nesses países é de 18%. Eu coloco uma ou duas alíquotas para cima de produto supérfluos, e uma ou duas alíquotas para baixo para atender produtos de cesta básica essenciais, mas eu não vou sair dessa desse percentual de carga tributária sobre o consumo. Então por isso que há uma distorção no Brasil. O Imposto de Renda não é mais nem o segundo imposto de arrecadação, já caiu para terceiro. Daqui a pouco a contribuição previdenciária sobre a remuneração de trabalhadores vai passar. Então a gente vê uma inversão de valores no sistema tributário, que precisaria ser trabalhado. Por que você imagina reduzir de 30% a 50% uma carga média de tributos sobre o consumo para 18%? Estamos falando em redução de carga tributária no momento em que os entes federados não podem perder essa receita. Então como que eu vou enfrentar isso? Será que os atores dessa reforma estão realmente interessados nesse debate, em prosseguir com este desafio e tornar o sistema mais justo? Isso significa mudar muita a tributação sobre o consumo e aprimorar a tributação sobre a renda e o patrimônio. Esse cenário ainda não é claro (na reforma), mas já unificando a alíquota e acabando com a guerra fiscal já evolui muito.

As discussões sobre o retorno da volta do CPMF. Isso bagunça ainda mais a situação tributária ou não?

A criação da CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços), enviada pelo governo federal, eu nem chamaria de reforma tributária do governo federal. Eu diria que é uma integração da legislação das contribuições do PIS e da Cofins, que já existem, atualizadas com uma série de decisões judiciais decorrentes da aplicação dessas duas contribuições, sobretudo decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). São pequenas correções, abrangência na sua composição de contribuintes e aumentando a alíquota, o que que para mim é alta na carga tributária, saio de 9,25% para uma proposta geral de 12%. Certamente, por ser um tema tão polêmico e tem um aumento de carga tributária, o que não significa reforma dentro daquilo que o setor empresarial espera, possivelmente tiraram o regime de urgência da CBS. Quanto à CPMF, instituída lá atrás como IPMF, que era um imposto provisório sobre movimentação financeira, eu não diria que ele por si só representaria uma questão ruim dentro da tributação do sistema, sobretudo se tiverem correções com relação ao mundo digital, a forma de circulação de riquezas que acontece nas plataformas digitais, tanto que na CBS tem um capítulo só para tratar desse assunto em relação a substituição do PIS e Cofins. Mas só se cogita ou só se deveria falar em uma CPMF se eu estivesse deixando claro para a sociedade, mostrando os números e vantagens. O discurso do governo é que isso seria o movimento para desonerar a folha. Nesse sentido, se essa compensação não vai atingir aqueles que têm menos, é uma migração saudável para corrigir um outro problema do sistema. Se tivesse essa compensação para desonerar a folha, isso pode ser positivo para o mercado, principalmente em um momento de pandemia, com a necessidade de retomar o emprego, renda e a movimentação econômica. Eu não tenho os estudos de números apresentados de forma clara por algum instituto de credibilidade para fazer essa comparação, então eu só justifico e dependeria uma proposta nesse sentido dentro desse cenário. Apenas aumentar a carga tributária não é a hora, a sociedade já deixou claro que a sua parte de custeio do Estado está em um limite. Em um momento que já se tentava sair de uma recessão e que vem agravada com a pandemia, eu não posso chamar mais uma vez o cidadão para custear o estado. Reduzir gasto tem sido a tônica colocada pelo governo federal, mas a gente ainda não consegue ver ainda de uma forma generalizada. Os estados estão todos esperando, as agências também querem saber se o Brasil vai no cenário da estabilidade fiscal, retoma isso após a pandemia, até mesmo para garantir os direitos fundamentais sociais.

O que você considera justo alterar na faixa de isenção do imposto de renda ou então aumentar nas faixas salariais maiores para melhorar o poder aquisitivo da população?

Eu uso esse exemplo para mostrar que, no final, a discussão do sistema tributário passa muito menos por um viés ideológico de questão política porque todos os governos, desde a redemocratização, tinham essa premissa em termos de sistema tributário e para o imposto de renda, mas ninguém efetivamente adotou. Quando se faz a conta, a tributação da renda tem sido muito agravada e focada na classe média, que tem sua remuneração ali estabelecida entre R$ 5.000 e R$ 20.000. E todo o estudo que se faz, quando eu aumento a faixa de alíquota para rendas de maior poder aquisitivo, você acaba diminuindo a arrecadação do Imposto de Renda por esta concentração de vida. Talvez como Imposto de Renda ainda injusto e temos um longo caminho para percorrer. Então alíquota de 27% para quem ganha acima de R$ 5.000 e 27,5% para que está no teto do serviço público, que é R$ 40.000, quando você está como a remuneração da Série A do futebol, etc, isso é injusto. Sem dúvida nenhuma, na Europa e em vários países tem uma faixa de alíquota de 50%. Se você adotar 50% para quem ganha acima de R$ 200.000 você não vai onerar tanto como adotar 27% para quem ganha R$ 6.000. Então eu falo que os números se tornam relativos dependendo se você faz corretamente a aplicação das faixas de alíquota. Então eu preciso estender essas faixas. O problema é que essa realidade, de concentrar a tributação da renda na fonte dos assalariados, esse mecanismo precisa ser mudado até se chegar a justiça fiscal, que é um padrão europeu de tributação. Porém, ainda mas estamos muito longe. Não posso simplesmente importar essa ideia das alíquotas, que é a mesma coisa que discutir a tributação sobre lucros e dividendos. Isso quase todo mundo tributa, o Brasil é uma das raras exceções com isenção sobre lucros e dividendos. Então é justo e correto retornarmos essa discussão? Sim, mas durante muito tempo a própria legislação tributária me induziu a remunerar os lucros e dividendo por conta da isenção. Então entre eu pagar de 15 a 20% de carga tributária na empresa, quando é de menor porte diminuindo um pouco essa faixa, mas a remuneração de quem está ali na sociedade sai com essa isenção. Muitos dependem da sua remuneração com lucros e dividendos. Então, se de uma hora para outra, eu passo a tributar lucros e dividendos em valores muito baixos, que servem de remuneração por que a carga tributária sobre folha é muito alta, eu não consigo e vou quebrar muitas empresas. Então a tributação sobre a renda é fundamental, é a partir dela que temos que quebrar desigualdades tributárias e implantar essa chamada justiça fiscal. Na Constituição, por exemplo, os Estados cobram pelos produtos supérfluos uma alíquota média de 18%, que vai para 25% no setor de energia, que é essencial, e o Poder Judiciário não derruba isso. Além de reformar a Constituição, essas regras precisam ganhar corpo, o estado precisa entender que são necessárias a observância dessas regras. Caso contrário, não adianta nada reformar a Constituição, deixar como se fosse uma mera norma programática, e deixar de ter efetividade na hora da sua adoção. E o responsável por chancelar isso seria o poder judiciário.

A ausência da autonomia financeira dos municípios e Estados é um problema que ocorre há décadas no país. Isso nunca será solucionado?

Esse talvez seja um problema que a reforma tributária não vai tirar do papel. Por isso que os municípios precisam arrecadar os tributos que são da sua competência, eles precisam arrecadar o ISS, IPTU, ITBI, a contribuição de iluminação pública e as taxas que são da sua competência. Só aprimorando a arrecadação tributária é que eles vão, dentro do critério da própria lei de responsabilidade fiscal, atingir essa busca do que a constituição orientou a eles de autonomia financeira. Mas boa parte (dos recursos), principalmente para os municípios, vem de repasses constitucionais, como do ICMS, que os estados repassam para os municípios e o governo federal repassa 50% do imposto de renda  e do IPI para estados e municípios. Essa equação,quando a gente pega a evolução dos números desde a vigência da Constituição Tributária, que foi em março de 1989, até hoje os municípios e Estados só perderam. Os Estados fazendo guerra fiscal perderam, abriram mão da sua recado economia arrecadatória. É como se fosse uma automutilação, eles precisam daquilo para ter essa autonomia de entregar suas funções constitucionais, de entregar ao cidadão Segurança Pública, que é da competência dos Estados, por exemplo. Quando o governo federal teve a primeira crise, em 2008, para estimular o comércio ele deu um benefício de isenção do IPI no setor da Linha Branca, veículos. E qual foi o problema? Quando deu o desconto de 50% no IPI, quem pagou 25% da conta foram os estados e municípios. Ele poderiam ter chegado ao mesmo projeto econômico dando redução PIS e Cofins. Então a União fez uma política econômica nacional, mas usando o dinheiro dos municípios e dos Estados, em parte. Essa briga entre os centros federados é um antagonismo ao que é a própria ideia de Federação. Federações são convivências, ainda que tem as divergências políticas, mas harmônicas em prol comum. Então eu preciso reequilibrar essa reforma tributária, voltar com mais recursos aos municípios e também aos Estados, o que significa a União abrir mão de parte desses recursos. Então, o governo federal precisa diminuir a concentração de arrecadação tributária dentro dessa reforma, e não é o que temos na mesa hoje proposto de forma clara, nem dentro nem da PEC 45 e nem da PEC 110, para que eu possa retomar o protagonismo necessário, principalmente dos municípios. Esse é um avanço da democracia brasileira porque o cidadão está próximo dos municípios.

O imposto sobre as heranças ainda é muito pouco explorado e que poderia compensar as desigualdades tributárias. Seria uma proposta interessante?

Diria que é inevitável, assim como tributar dividendos. É só questão do momento certo para poder adequar a carga tributária e não virar a chave de uma hora para outra desconsiderando a realidade. É preciso fazer um aumento gradual para atingir um patamar maior, que não deve ser dos Estados Unidos, mas talvez da Europa. Tem lugares que chegam a 50%, quando você tem a sucessão. Mas sem dúvida o aumento da tributação sobre o patrimônio na transmissão da herança vai ter que crescer no Brasil, já tem uma autorização para se chegar a 8%. O Estado de Minas Gerais ainda trabalha com 4%, já tem estados que aumentaram alíquota maior e a expectativa é que se apresse essa questão. Na PEC 110 é proposto levar essa arrecadação para o governo federal. Isso foi um equívoco, porque os municípios já cobram o ITBI (imposto sobre a transmissão de bens), já têm a estrutura e o aparato.

A tramitação dessa proposta pode ser difícil no Congresso, que tem grupos que defendem esses grandes interesses?

Um tenho uma posição sobre esse assunto. Acredito que o imposto sobre grandes fortunas realmente não vai ser a saída para alcançar a justiça fiscal. Tem muito para caminhar e já se tentou instituir essa questão em diferentes modelos nos Estados Unidos e em países europeus. O êxito não foi tão significativo quanto imaginava. Independentemente desse formato e da sua validade constitucional no Brasil, acho que ainda temos um espaço enorme para avançar sobre tributação de renda e impostos sobre o patrimônio. No caso do do IPVA e do IPTU, ainda ainda tem uma evolução, até porque no IPTU tem problema sério que os municípios não poderiam atualizar o valor venal dos imóveis sem lei. O projeto é enviado e o prefeito quase não tem chance de reeleição. Com isso, os municípios arrecadam valor de IPTU muito menor daquilo que seria o correto do ponto de vista do poder contributivo. O cidadão defende que quando se deixa de pagar o correto, em algum lugar isso vai estar sendo compensado e possivelmente vai onerar indevidamente o sistema e de forma injusta. Não adianta querer fugir de distorções, daquilo que é o correto funcionamento do sistema tributário, se eu quero realmente chegar a um patamar de estado democrático evoluído. Através dele, eu consigo chegar a correção de distorções de desigualdade, preservando na hora de tributar quem pode mais e quem pode menos. Então, o caminho é muito longo. Eu deixaria a polêmica de lado e trabalharia naquilo que vai gerar mais resultado real de imediato.

Entre os dois projetos de reforma tributária no Senado e na Câmara, qual você considera melhor?

Entre os dois, para mim a PEC 110 (do Senado) tem elementos muito melhores do que do que a PEC 45. A proposta da Câmara quer fazer o que a gente chama de tributação concorrente. Cada Estado, município e União define a alíquota do imposto para substituir PIS, Cofins e ICMS. Ou seja, vou complicar ainda mais. Tem uma complexidade muito pior do que a gente visualiza no cenário atual. Além do que a transmissão dela seria gradual, de dois sistemas caminhando em conjunto e depois 50 anos de transição para distribuir os valores. É muito tempo. Uma coisa que me preocupa em ambos os projetos é ideia de querer devolver a parcela do imposto arrecadado. Já temos todo um debate sobre o cadastro do Bolsa Família, que veio o Corona voucher e ampliou. Depois, se descobriu que 40 milhões de brasileiros estavam fora do radar de verificação do governo. Se já é difícil pegar direto dos cofres públicos e transferir renda, imagina exigir do cidadão de baixa renda que guarde cada cupom, ainda que seja eletrônico, e o governo comprove quem tem pouca capacidade contributiva. É uma metodologia que não vai dar certo. Ao final, ela deve ficar mais caro que o benefício social pago. Então essas duas propostas se equivocam, mas isso tem ganhado corpo. Eu tenho comentado que os projetos querem reinventar a roda, mas quadrada. Ao invés de pegar o que se tem consolidado e construído há décadas, o que ia permitir uma simplificação mais direta, eu estou querendo criar uma reforma e reinventar um tributo.

 

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