Recebi uma consulta de um cliente questionando se poderia utilizar “grupos de Whatsapp” na sua empresa, como uma forma de facilitar a comunicação e a dinâmica do trabalho.

Num primeiro momento a resposta positiva me pareceu óbvia. Ora, a utilização das novas tecnologias de comunicação para auxiliar a rotina do trabalho é prática amplamente difundida e encontra previsão no artigo 6º da CLT [1].

No entanto, é necessário que o empregador e empregados utilizem dessas tecnologias de maneira ordenada e consciente, para que o que antes seria uma ferramenta para otimizar a comunicação e a rotina laboral, não passe a ser um elemento que atrapalhe o clima organizacional e gere passivo para a empresa.

Tenho visto com certa frequência, nos processos em que tenho atuado, pedidos diretamente relacionados à má utilização de tais ferramentas. E os títulos são os mais variados, tais como indenização por dano moral, adicional de sobreaviso e horas extras.

Sobre a indenização por dano moral, a causa de pedir pode estar relacionada com o assédio moral ou sexual.

O assédio moral pode se dar de forma vertical ou horizontal. O primeiro é o assédio clássico, que ocorre quando o empregador (diretamente ou através do superior hierárquico do empregado) utiliza-se de seu poder diretivo, fiscalizatório ou disciplinar, de forma exacerbada, abusiva, atentando contra a dignidade ou integridade física ou psíquica de seu empregado. Os exemplos mais comuns são: utilização de palavras ofensivas ou xingamentos, cobranças excessivas e a gestão por estresse.

Demandar ou cobrar o empregado excessivamente e fora do expediente, além de afetar o direito dele à desconexão do trabalho pode acarretar dano existencial, que é aquele gerado quando o empregado não consegue colocar em prática seus projetos pessoais e suas atividades sociais em virtude da jornada ou carga extenuante de trabalho.

O TST ao analisar esta discussão decidiu, em acórdão de relatoria do ministro Alexandre Agra Belmonte, que o empregador deveria pagar indenização por dano moral ao empregado. Em seu voto, Belmonte destacou:

“…”[a] utilização do Whatsapp para a cobrança de metas, até mesmo fora do horário de trabalho, ficou evidenciada…” (…)

Só que o Tribunal, apesar de registrar isso, que o empregado poderia ser chamado fora do horário ou algo parecido, atribui como conclusão que isso seria comum nos ambientes corporativos, que o sujeito poderia não responder se não quisesse ou até mesmo não ler a mensagem se assim desejasse.

Contudo, há o uso e há o abuso. Sempre no exercício do direito, há uma limitação. O meu direito vai até onde começa o seu. Penso que em sociedade é assim que se deve viver.

Se não era para responder, por que mandou o WhatsApp? Mandou a mensagem para qual finalidade? Se não era para responder, deixasse para o dia seguinte. Para que mandar mensagem fora do horário de trabalho? Isso invade a privacidade, a vida privada da pessoa, que tem outras coisas para fazer e vai ficar se preocupando com situações de trabalho fora do seu horário.

Hoje em dia, o dano existencial está bastante caracterizado. Isso faz com que a pessoa fique aflita, agoniada, queira resolver naquele mesmo instante situações de trabalho. Penso que a Justiça do Trabalho, em todos esses anos que vem julgando essas questões, humaniza as relações de trabalho impondo os limites necessários.

Então, diante disso, estando evidenciado pelo próprio Tribunal que havia cobrança de metas fora do horário de trabalho, a conclusão não pode ser a de que não há reparação por dano moral.

Condutas como esta extrapolam os limites aceitáveis no exercício do poder potestativo (diretivo do trabalho dos empregados) pelo empregador, gerando ao trabalhador apreensão, insegurança e angústia [2].

A questão é tão séria que chegou a tramitar na Câmara dos Deputados um projeto de lei (6038/2016) para acrescentar um artigo na CLT com a seguinte redação: “Art. 72-A. É vedado ao empregador exigir ou incentivar que, fora do período de cumprimento de sua jornada de trabalho, o empregado permaneça conectado a quaisquer instrumentos telemáticos ou informatizados com a finalidade de verificar ou responder a solicitações relacionadas ao trabalho.

O assédio horizontal, por sua vez, ocorre entre colegas de trabalho e pode ser identificado quando ocorrem comentários depreciativos, apelidos com cunho pejorativo, prática de bullying, entre outros comportamentos que humilham, constrangem, ofendem e abalam a autoestima da vítima.

Por fim, o assédio sexual pode ser caracterizado por reiterados comportamentos inoportunos de cunho sexual (gestos, falas ou textos) entre colegas de trabalho ou entre superiores hierárquicos e subordinados por meio dessas tecnologias de mensagens instantâneas e até de vídeo chamadas.

Tais práticas, se questionadas perante a justiça do trabalho, podem acarretar a condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral, nos termos do artigo 223-C da CLT, mesmo se o ato tiver sido praticado entre colegas de trabalho, pois, nos termos do art. 932, III do Código Civil, o empregador é responsável pelos atos de seus empregados.

O Ministério Público do Trabalho também tem atuado de forma importante no combate aos reflexos da má utilização das ferramentas tecnológicas no ambiente de trabalho, seja de forma extrajudicial (TAC e inquérito civil), seja através do ajuizamento de ação civil pública.

No ano de 2018 uma rede de drogarias foi condenada pelo TRT/MG ao pagamento de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de dano moral coletivo, pois ficou constatada a conduta de gerentes que enviavam notificações aos respectivos subordinados fora do horário de expediente, exigindo que todos respondessem suas mensagens, fazendo cobranças desarrazoadas e ameaças, dispensando-lhes tratamento grosseiro [3].

Assim, considerando os efeitos negativos que a má utilização das tecnologias pode acarretar no ambiente de trabalho e na gestão da empresa, é necessário que os empregadores invistam em ações no sentido de promover o uso sadio e consciente de tais ferramentas como, por exemplo, o treinamento dos gestores, para levar à efeito uma liderança humanizada que valorize o trabalho humano e principalmente o foco na observância obrigatória das normas trabalhistas.

[1] Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.         

[2] RR – 10377-55.2017.5.03.0186 Publicação: 19/10/2018

[3] (Processo: 0010957-78.2017.5.03.0059 Publicação 04/09/2018